Dr. David Martyn Lloyd-Jones
(Médico por profissão, pastor por vocação. Pastoreou a Capela de Westminster por mais de três décadas e tornou-se um dos mais conhecidos expositores bíblicos de todos os tempos. O sermão abaixo faz parte do livro Depressão Espiritual, Editora PES. Segundo um ex-membro da Capela de Westminster, o Dr Lloyd-Jones sentiu-se dirigido por Deus a tratar do assunto "depressão" e numa manhã, após seu período devocional, enquanto fazia a barba, subitamente vei-lhe à mente todos os esboços, de modo que todos os sermões presentes no livro foram esboçados num único dia!)
"E já vos
esquecestes da exortação que argumenta convosco como filhos: Filho meu, não
desprezes a correção do Senhor, e não desmaies quando por ele fores repreendido;
porque o Senhor corrige o que ama, e açoita a qualquer um que recebe por filho.
Se suportais a correção, Deus vos trata como filhos; porque, que filho há a
quem o pai não corrija? Mas, se estais sem disciplina, da qual todos são feitos
participantes, sois então bastardos, e não filhos. Além do que tivemos nossos
pais segundo a carne, para nos corrigirem, e nós os reverenciamos: não nos
sujeitaremos muito mais ao Pai dos espíritos, para vivermos? Porque aqueles, na
verdade, por um pouco de tempo nos corrigiam como bem lhes parecia; mas este,
para nosso proveito, para sermos participantes da sua santidade. E, na verdade,
toda a correção, ao presente, não parece ser de gozo, senão de tristeza, mas
depois produz um fruto pacífico de justiça nos exercitados por ela".
Hebreus 12:5-11
Uma das causas mais prolíficas deste estado de depressão espiritual é a
falha em, compreender que Deus usa muitos métodos no processo da nossa
santificação. Ele é nosso Pai, que "nos amou com um amor eterno". Seu
grande propósito para nós é nossa santificação — "Porque esta é a vontade
de Deus, a vossa santificação" (I Tessalonicenses 4:3), e "para que
fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em caridade" (Efésios 1:4).
A grande preocupação de Deus por nós é, primariamente, não a nossa felicidade,
mas nossa santidade. Em Seu grande amor por nós, Ele está decidido a nos levar
a isso, e emprega muitos métodos diferentes para atingir esse fim.
O fato de não compreendermos isso muitas vezes nos leva a tropeçar e, em
nosso pecado e insensatez, até mesmo a compreender de maneira completamente
errada o modo como Deus nos trata. Como crianças insensatas, achamos que nosso
Pai celestial não está sendo amoroso para conosco, e sentimos pena de nós
mesmos, achando que Ele está nos tratando com rudeza. Isso, é claro, leva à
depressão, e é tudo devido à nossa falha em compreender os gloriosos propósitos
de Deus para conosco.
Esta é a questão tratada de maneira tão extraordinária e perfeita no
capítulo doze de Hebreus, onde o tema é que Deus às vezes opera santificação na
vida de Seus filhos através da correção, e especialmente capacitando-os a
compreender o significado da correção. Esse é o tema para o qual quero chamar a
sua atenção. Talvez não haja outra área em que vejamos mais claramente o fato
de que santificação é uma obra de Deus, do que em conexão com este assunto da
correção. "Vejam as coisas que vocês estão sofrendo", diz o autor.
"Por que estão sofrendo tudo isso?" A resposta é que eles estão
sofrendo estas coisas porque são filhos de Deus. Ele declara que Deus está
fazendo isso para o seu bem — "Porque o Senhor corrige o que ama, e açoita
a qualquer que recebe por filho". E então observemos que, não satisfeito
em colocá-lo assim, ele o expressa negativamente também, dizendo: "Se
suportais a correção, Deus vos trata como filhos; porque, que filho há a quem o
pai não corrija? Mas, se estais sem disciplina, da qual todos são feitos
participantes, sois então bastardos" — vocês não são verdadeiramente
membros' da família, não são filhos. Essa é uma declaração muito significativa.
Quero expressá-la na forma de um princípio. O que este homem realmente está
dizendo é que a salvação toda é obra de Deus, do começo ao fim, e que Deus tem
Seus métodos e meios de produzi-la. Uma vez que Deus começa uma obra, Ele a
completa: "Aquele que em vós começou a boa obra, a aperfeiçoará até ao dia
de Jesus Cristo". Deus jamais começa uma obra para desistir dela ou
deixá-la numa situação incompleta — quando Deus começa Sua obra em Seus filhos,
Ele vai completar essa obra. Deus tem um propósito e objetivo final para eles:
que passem a eternidade com Ele na glória. Muito do que acontece conosco neste
mundo deve ser entendido e explicado à luz desse fato; e é um fato bem
definido, de acordo com o argumento do autor, que Deus vai nos trazer a essa
condição, e nada vai impedir que isso aconteça.
Ora, Deus tem vários meios de fazer isso. Um deles, é dar-nos instrução
através das grandes doutrinas e dos princípios ensinados na Bíblia. Ele nos deu
Sua Palavra. Ele inspirou homens a escrever essas palavras pelo Espírito Santo
para nossa instrução, a fim de sermos preparados e aperfeiçoados. Mas se nos
tornarmos recalcitrantes, se não aprendermos as lições que nos são
apresentadas positivamente na Palavra, então Deus, como nosso Pai, tendo em
vista o grande objetivo de nos aperfeiçoar e preparar para a glória, adotará
outros métodos. E um desses outros métodos que Ele usa, é este método da
correção. Pais terrenos que são dignos desse nome — e estamos vivendo em dias
de tanta-indulgência e frouxidão, que mal podemos usar este argumento da forma
que o autor de Hebreus o usou — mas pais dignos desse nome fazem isso. Eles
corrigem seus filhos para o seu próprio bem; se a criança não está se
comportando de maneira apropriada como resultado de instrução positiva, então a
correção deve ser aplicada, a disciplina deve ser exercida. É doloroso, mas
necessário, e um bom pai não negligencia isso. E este homem diz que Deus é
assim, e infinitamente mais. Se, portanto, não somos obedientes às lições e
instruções positivas da Palavra de Deus, não devemos nos surpreender se outras
coisas começarem a nos acontecer. Não devemos nos surpreender se tivermos que
enfrentar certas coisas que são dolorosas. Tais coisas nos são enviadas
deliberadamente por Deus, diz este homem, como parte do processo da
santificação. Observem como ele enfatiza isso. Diz que devemos nos examinar a
nós mesmos para descobrir se estamos experimentando isso em nossa vida, porque,
ele diz de forma muito clara, se não temos experiência desse tipo de
tratamento, então é de duvidar que realmente sejamos filhos. Se nada
conhecemos desse processo, não somos filhos, somos ilegítimos, não pertencemos
a Deus, pois "o Senhor corrige o que ama". De certa forma, então,
podemos dizer que a pessoa que devia se sentir mais infeliz consigo mesma é
aquele cristão (ou que professa ser cristão) que não tem consciência desse tipo
de experiência em sua vida. Devíamos ficar alarmados com isso. Longe de
ficarmos aborrecidos com o processo, devíamos agradecer a Deus por ele, pois
Ele está nos dando provas de que somos Seus filhos, e está nos tratando como
tal. Está nos corrigindo e disciplinando para nos conformar ao padrão e nos
tornar dignos daquele que é nosso Pai.
Isso é algo que está constantemente acontecendo na vida e na experiência
dos filhos de Deus. Também é algo ensinado através de todas as Escrituras.
Existem exemplos e ilustrações sem fim que poderiam ser citadas. É a grande
mensagem do Salmo 73. É a grande mensagem do livro de Jó. E o apóstolo Paulo
trata do assunto no quinto capítulo da Epístola aos Romanos, onde fala sobre
regozijo em meio às tribulações, etc. Também faz parte do argumento do capítulo
oito de Romanos. É encontrado novamente na Primeira Epístola aos Coríntios, no
capítulo onze, na secção que trata da Ceia do Senhor. O apóstolo ensina que
havia membros da igreja que estavam doentes e enfermos porque não estavam vivendo
a vida cristã: "Por causa disto há entre vós muitos fracos e
doentes". Na verdade, muitos até mesmo tinham morrido por causa disso:
"E (há) muitos que dormem". Então, leiam o primeiro capítulo da
Segunda Epístola aos Coríntios e encontrarão o apóstolo descrevendo a
experiência que tinha acontecido com ele. Ele afirma que aconteceu para que
aprendesse a não confiar em si mesmo, e sim no Deus vivo. Outra grande
declaração clássica deste ensino pode ser encontrada no capítulo doze da
Segunda Epístola aos Coríntios, onde Paulo fala sobre o "espinho na
carne" que lhe fora dado; o propósito disso tudo, ele diz, era mantê-lo
numa condição espiritual correta, para que não se exaltasse. Foi-lhe dado um
espinho na carne, e embora tivesse orado, pedindo a Deus três vezes que o
removesse, Deus não fez isso, e ele finalmente aprendeu sua lição. Portanto,
aquilo promoveu sua santificação. No primeiro capítulo da Epístola de Tiago,
lemos: "Meus irmãos, tende grande gozo quando cairdes em várias
tentações". É algo em que devemos nos regozijar. E então encontramos tudo
isso resumido na palavra do próprio Senhor ressuscitado, no terceiro capítulo
de Apocalipse, no versículo 19: "Eu repreendo e castigo a todos quantos
amo".
Encontramos, então, esta grande doutrina através de toda a Bíblia. Na
verdade, todo o tratamento de Deus com os filhos de Israel sob a velha
dispensação é um grande comentário disso. Ele tratou com eles daquela maneira
porque eram Seus filhos. "De todas as famílias da terra a vós somente
conheci; portanto, todas as vossas injustiças visitarei sobre vós" (Amos
3:2). Ele os tratou daquela maneira porque eram Seus filhos.
A pergunta óbvia que vem à nossa mente, então, é: o que é correção? O que
significa'? Significa treinar. O sentido básico da palavra é esse. É o
treinamento ministrado à criança, ou o método de treinar uma criança. Temos a
tendência de confundir correção com a palavra castigo. É certo que inclui
disciplina, mas também inclui instrução; inclui repreensão, e na verdade pode
incluir um considerável grau de castigo; mas o objetivo essencial da correção é
treinar e desenvolver a criança para que se torne uma pessoa adulta. Bem, se
esse é o sentido de correção, vamos considerar por um momento os meios pelos
quais Deus nos corrige.
Como Deus corrige Seus filhos? Ele o faz especialmente através das
circunstâncias — todo tipo de circunstâncias. Nada é mais importante na vida
cristã do que compreender que tudo o que nos acontece tem um sentido, se tão
somente o buscarmos. Nada nos acontece por acaso — um pardal "não cairá
por terra sem a vontade do nosso Pai", diz o Senhor, e se isso é verdade
a respeito do pardal, quanto mais o será a nosso respeito! Nada pode nos
acontecer sem o consentimento do nosso Pai. As circunstâncias estão
constantemente nos afetando, e seu propósito é operar a nossa santificação —
tanto as circunstâncias agradáveis como as desagradáveis. Devemos portanto ser
observadores, sempre buscando lições e fazendo perguntas.
Quero agora ser mais específico. A Bíblia ensina muito claramente que uma
circunstância particular que Deus muitas vezes usa no que toca a essa área, é
uma perda financeira, ou mudança na posição material da pessoa, perda de bens,
perda de possessões ou de dinheiro. Tais coisas são muitas vezes usadas por
Deus. Vemos descrições disso no Velho Testamento, e aconteceu muitas vezes na
história subsequente do povo de Deus na Igreja, que através de uma perda no
sentido material e temporal, Deus ensinou uma lição a alguém que a pessoa não
poderia ter aprendido de outra forma.
Então vamos pensar na questão da saúde. Já mencionei a Primeira Epístola
aos Coríntios, capítulo onze. O apóstolo ensina especificamente que havia
algumas pessoas que estavam doentes e fracas porque Deus permitira isso para
ensiná-las e treiná-las. "Examine-se pois o homem a si mesmo, e assim coma
deste pão e beba deste cálice. Porque o que come e bebe indignamente, come e
bebe para sua própria condenação, não discernindo o corpo do Senhor. Por causa
disto, há entre vós muitos fracos e doentes, e muitos que dormem". Este é
um método que Deus empregou muitas
vezes, de modo que aqueles que dizem nunca ser a vontade de Deus que sejamos
doentes ou fracos, estão simplesmente negando as Escrituras. Contudo, que
ninguém caia na armadilha de dizer:
"Você está afirmando que toda doença é um castigo enviado por
Deus?" Claro que não; estou simplesmente dizendo que Deus às vezes usa
esse método para corrigir Seus filhos. É "por causa disto" que muitos
estão "doentes e fracos"; é
uma obra de Deus. Deus permitiu que aquilo lhes acontecesse, ou talvez Deus
mandou aquilo às suas vidas, para seu próprio bem. A vontade de Deus é mais
importante que a saúde do corpo da pessoa, e se ela não se submete e se sujeita
à instrução positiva da Palavra de Deus, então Ele certamente vai tratar com
essa pessoa, e talvez envie uma doença para fazê-la parar e pensar. Gostaria de
mencionar que o grande Dr. Thomas Chalmers sempre dizia que o que realmente o
levou a entender o evangelho, sob a direção de Deus, foi uma doença que o
confinou a um quarto por quase um ano. Ele tinha sido um pregador brilhante,
muito "científico" e "intelectual", mas saiu daquele quarto
de doença como um pregador do evangelho, e agradeceu a Deus por aquela
visitação. Encontramos um paralelo disso na Segunda Epístola de Paulo aos
Coríntios, no capítulo primeiro, versículo nove, onde ele nos diz que "já
tinha a sentença de morte em si". Então temos também a clássica declaração
sobre o espinho na carne no capítulo doze. Deus não removeu aquele espinho
porque queria ensinar o apóstolo a dizer: "Quando sou fraco, então sou
forte", e se regozijar na enfermidade, em vez de na saúde, para que a
glória de Deus fosse promovida. Não há dúvida que Deus permitiu aquilo, talvez
até mesmo o tenha causado, a fim de corrigir e treinar Seu servo daquela forma
particular.
Da mesma forma, Deus permitiu perseguição. Estes cristãos hebreus estavam
sendo perseguidos. Por isso estavam tão infelizes. Seus bens haviam sido
roubados, suas casas destruídas, porque eles eram cristãos, e estavam
perguntando: "Por que estamos recebendo esse tipo de tratamento? Pensamos
que, se crêssemos no evangelho, tudo acabaria bem, mas estamos cheios de
problemas, enquanto que aqueles que não são cristãos parecem estar se dando
muito bem e tendo sucesso em tudo. Por que isso?" E a resposta à pergunta
deles esta nesse capítulo doze da carta aos Hebreus.
A doutrina, todavia, vai além, vai ao ponto de afirmar que Deus às vezes
emprega a morte dessa forma: "Há entre vós muitos fracos e doentes, e
muitos que dormem". É um mistério que ninguém pode entender, mas é um
ensino claro das Escrituras, e por isso digo que precisamos compreender que
todas estas coisas têm um significado. Através das circunstâncias, das coisas
que acontecem em nossa vida e neste mundo, em nossa carreira, em nossos
estudos e exames, pela doença ou saúde, por todas essas coisas, Deus está
realizando Seu propósito para nós. Se somos filhos de Deus, todas essas coisas
têm um significado, e precisamos aprender a examiná-las, para descobrir sua
mensagem. E mediante isso será promovida a nossa santificação.
Outra maneira de Deus nos corrigir, e preciso colocá-la numa categoria à
parte, é esta: Deus às vezes, sem dúvida, parece afastar Sua presença e
esconder Sua face de nós para alcançar esse propósito. É evidente que este é o
grande tema do livro de Jó. É encontrado novamente no livro de Oséias, nos
capítulos cinco e seis..
Deus até mesmo diz ao povo ali: "Irei, e voltarei para o meu lugar,
até que se reconheçam culpados e busquem a minha face". Deus Se afastou, e
afastou Sua presença e Suas bênçãos para levá-los ao arrependimento; isso é uma
parte da santificação.
Por outro lado, também sabemos que há variações de sentimentos e emoções
na vida cristã. Essa é uma questão que muitas vezes deixa o povo de Deus
confuso e perplexo. Todos já tivemos alguma experiência nesse sentido.
Descobrimos que, por alguma razão, a experiência que vínhamos tendo de repente
chegou ao fim, e dizemos com Jó: "Ah! se eu soubesse que o poderia
achar!" Não temos consciência de nada que tenhamos feito de errado, mas
Deus parece ter Se retirado, e temos a sensação de que nos abandonou. Essas
"deserções" do Espírito, que parecem acontecer de tempos em tempos,
são também parte do método de Deus de disciplinar e corrigir Seus filhos; são
parte de Seu grande processo de nos treinar e preparar para o grande propósito
e objetivo que Ele tem para nós.
Isso então me leva à minha próxima pergunta. Por que Deus corrige? Já
vimos o que é correção, e vimos como Deus corrige, e agora fazemos a grande
pergunta — por que Deus faz isso? Encontramos abundantes respostas a essa
pergunta nesta passagem da Sua Palavra. Do versículo cinco ao versículo quinze,
neste capítulo doze da Epístola aos Hebreus, o assunto é nada mais que uma
ampla resposta a isso. É porque Deus nos ama: "Porque o Senhor corrige o
que ama, e açoita a qualquer que recebe por filho". Essa é a resposta
fundamental. É tudo por causa do amor de Deus. É porque Deus nos ama que Ele às
vezes parece ser "cruelmente amoroso". Tudo é feito para o nosso bem;
essa é a verdade da qual devemos nos apropriar — é sempre para o nosso bem.
Agora vamos observar a declaração do versículo sete. A tradução Revista e
Corrigida da Bíblia diz: "Se suportais a correção, Deus vos trata como
filhos". Mas a tradução Revista e Atualizada sem dúvida traduz este texto
de forma muito melhor. Em vez de "se suportais a correção", o sentido
do texto na verdade é este: "É para disciplina que perseverais (Deus vos
trata como a filhos)". Por que vocês estão perseverando? Essa é a pergunta
que esses cristãos hebreus estavam fazendo. "Se somos cristãos, por que
estamos suportanto?" E a resposta é que estão suportando porque são
cristãos, estão aguentando para sua correção, para sua disciplina. Em outras
palavras, o propósito de perseverarem, ou suportarem, é o seu crescimento, seu treinamento,
seu desenvolvimento; as coisas que estão
suportando são parte da sua correção. O que é correção? É treinamento. Então
temos que nos apropriar firmemente deste fato, que todo sofrimento e provação
e infelicidade tem esse grande propósito em vista, ou seja, nossa preparação e
treinamento. E o autor repete isso — observem como ele repete esses conceitos —
no versículo dez. "Porque aqueles (nossos pais terrenos), na verdade, por
um pouco de tempo, nos corrigiam como bem lhes parecia; mas este, para nosso
proveito, para sermos participantes da sua santidade." Ora, ai está o
conceito, expresso da maneira mais clara; definitivamente o ensino é que Deus
nos corrige para que possamos ser participantes da Sua santidade, a fim de que
sejamos santificados. Tudo é feito, ele diz, "para o nosso proveito",
e o proveito é a santificação. Deus nos santifica pela verdade fazendo estas
coisas e então, através da Sua Palavra, esclarecendo o que Ele está fazendo.
Se esse é o objetivo geral que Deus tem em vista ao nos corrigir desta
maneira, vamos agora examinar algumas das razões particulares que Ele tem para
fazer isso. Uma é que há certas imperfeições em nós, em todos nós, que precisam
ser corrigidas. Há certos perigos que confrontam a todos nós na vida cristã,
contra os quais precisamos ser protegidos. O fato de alguém ser cristão não
significa que essa pessoa é perfeita. Não alcançamos imediatamente um estado de
perfeição no momento que cremos no Senhor Jesus Cristo. Na verdade, não
alcançamos esse estado de perfeição nesta vida; sempre haverá imperfeição
enquanto o "velho homem" existir. Em consequência disso, sempre há
certas coisas em nossa vida que precisam ser tratadas; e as Escrituras nos mostram
muito claramente como Deus usa a correção para tratar de alguns desses
problemas. Quais são eles? Um deles é orgulho espiritual, exaltação espiritual
num sentido errado e perigoso. Quero expressá-lo com as clássicas palavras que
mostram isso com tanta perfeição, e não necessitam de qualquer exposição. O
apóstolo Paulo, no capítulo doze da Segunda Epístola aos Coríntios diz:
"Conheço um homem em Cristo. . . e sei que o tal homem (se no corpo, se
fora do corpo não sei; Deus o sabe) foi arrebatado ao paraíso; e ouviu palavras
inefáveis, de que ao homem não é lícito falar. De um assim me gloriarei eu, mas
de mim mesmo não me gloriarei, senão nas minhas fraquezas. Porque, se quiser
gloriar-me, não serei néscio, porque direi a verdade; mas deixo isto, para que
ninguém cuide de mim mais do que em mim vê ou de mim ouve"; e observem:
"E para que me não exaltasse pelas excelências das revelações, foi-me dado
um espinho na carne, a saber, um mensageiro de Satanás para me esbofetear, a
fim de me não exaltar". Ai está, com perfeição. O apóstolo recebera uma
experiência muito rara, extraordinária e notável, tinha sido arrebatado ao
terceiro céu, e havia visto e ouvido e sentido coisas maravilhosas, e corria o
risco de cair em orgulho espiritual, exaltando-se a si mesmo. E ele nos diz que
lhe foi enviado um espinho na carne — enviado a ele deliberadamente — para
resguardá-lo. Orgulho espiritual é um perigo terrível, e é um perigo que
persiste. Se Deus, em Sua misericórdia e amor, nos conceder uma experiência
incomum, isso nos coloca numa posição em que o diabo pode nos explorar e prejudicar;
e com frequência homens que tiveram tais experiências também tiveram que sofrer
correção para mantê-los numa posição segura e correta.
Outro perigo é o perigo da auto-confiança. Deus deu dons aos homens, e o
perigo é que passemos a confiar em nós mesmos e em nossos dons, passando a
sentir, de certa forma, que não precisamos mais de Deus. Orgulho e
auto-confiança são um perigo constante. Não são pecados da carne em si, são
perigos espirituais, e são, portanto, ainda mais perigosos e sutis.
E então sempre há o perigo de sermos atraídos pelo mundo, suas perspectiva
e seus caminhos. Um ponto enfatizado muitas vezes nas Escrituras é que estas
coisas são muito sutis. A pessoa não decide, deliberadamente, que vai voltar ao
mundo. É algo que acontece quase imperceptivelmente. O mundo e suas atrações
estão sempre presentes, e a pessoa cai nelas quase sem saber. Ela então precisa
ser corrigida, para que não passe a amar as coisas do mundo. Ainda um outro
perigo é o de nos acomodar — o perigo de nos satisfazer com a posição que
alcançamos na vida cristã — presunção, auto-satisfação. Não somos modernistas,
não cremos em todas essas coisas em que muitos crêem hoje em dia, somos ortodoxos,
cessamos de fazer certas coisas que sabemos ser obviamente erradas. Cremos ser perfeitos
em nossa fé, e que nossas vidas estão acima de reprovação, e assim nos tornamos
presunçosos e satisfeitos conosco mesmos. Acomodamo-nos, e assim paramos de
crescer. Se nos compararmos com o que éramos dez anos atrás, realmente não há
diferença. Não conhecemos a Deus mais intimamente, não avançamos um passo
sequer, não crescemos "na graça e no conhecimento do Senhor".
Descansamos num estado de auto-satisfação. Talvez eu possa resumi-lo dizendo
que é o terrível perigo de esquecer Deus, e não buscá-10, não buscar comunhão
com Ele.
É o perigo sério de pensar em nós mesmos em termos de experiência, em vez
de pensar, constantemente, em termos do nosso conhecimento direto e imediato
dEle, e de nosso relacionamento com Ele. À medida que prosseguimos na vida
cristã, devíamos ser capazes de dizer que conhecemos a Deus melhor do que
conhecíamos, e que O amamos mais do que O amávamos há anos atrás. Quanto mais
conhecemos uma pessoa boa, mais amamos essa pessoa. Multipliquem isso pelo
infinito, e aí está nosso relacionamento com Deus. Conhecemos melhor a Deus,
estamos buscando-O mais e mais? Deus sabe, o perigo é o de nos esquecermos dEle
porque estamos mais interessados em nós mesmos e nossas experiências. E assim
Deus, em Seu amor infinito, corrige-nos para nos fazer compreender estas
coisas, a fim de nos levar de volta para Si mesmo e nos resguardar destes
terríveis perigos que estão constantemente nos ameaçando e nos cercando. Quero
relacionar isso com sua experiência. Acaso, podem dizer que agradecem a Deus
por coisas que acontecem contra vocês? Esse é um excelente teste da nossa
profissão de fé! Vocês conseguem olhar para trás, para certas coisas — que
foram desagradáveis, e que os tornaram infelizes na época em que aconteceram —
e dizer como o salmista no Salmo 119:71: "Foi-me bom ter sido afligido,
para que aprendesse os teus estatutos"?
Digo, então, que Deus nos corrige por estas razões particulares. Mas quero
agora pô-lo de forma positiva. Ser santificado significa que exibimos certas
qualidades positivas. Significa ser o tipo de pessoa que exemplifica as
bem-aventuranças e o sermão do monte em sua vida, ser o tipo de pessoa que
demonstra o fruto do Espírito — amor, alegria, paz, etc. É isso que significa
santificação. Deus, ao nos santificar, está nos trazendo mais e mais a uma conformidade
com essa condição. E é bem evidente que, para nos levar a esse ponto, não é
suficiente que recebamos a instrução positiva da Palavra; o elemento de
correção também é necessário. A Palavra nos exorta a "olharmos para
Jesus". Observem que faz isso logo antes de abordar o assunto da correção.
A exortação do autor é: "Corramos com paciência a carreira que nos está
proposta: olhando para Jesus..." Se fizéssemos isso sempre, nada mais
seria necessário; se mantivéssemos sempre os olhos nEle, tentando nos conformar
a Ele, tudo estaria bem. Mas não fazemos isso, e portanto a disciplina se torna
necessária. E é necessária a fim de produzir certas qualidades em nós. A
primeira delas é a humildade. Ela é, em muitos sentidos, a virtude
suprema. Humildade, a mais inestimável de todas as jóias, uma das mais
gloriosas de todas as manifestações do fruto do Espírito - humildade. Era a
suprema característica do próprio Senhor. Ele era manso e humilde de coração.
"A cana trilhada não quebrará, nem apagará o pavio que fumega". É o
último ponto que alcançamos, e Deus sabe que todos precisamos ser humilhados
para nos tornarmos humildes. O fracasso pode ser muito' proveitoso para nós
nesse sentido. É muito difícil sermos humildes se somos sempre bem sucedidos;
então Deus nos corrige através do fracasso, às vezes, para nos humilhar e assim
nos manter humildes. Examinem suas vidas e vejam esse tipo de coisa
acontecendo.
Vejam em seguida a devoção. O cristão deve ser devoto, deve ter
seus olhos fixos nas coisas de cima. Seus interesses devem estar concentrados
lá, e não aqui. Mas como é difícil ter essa atitude, e buscar "as coisas
lá do alto", e "pensar nas coisas que são de cima, e não nas que são
da terra". Quantas vezes tem sido necessário que Deus nos corrija, para
voltar nossos olhos para o alto. Tendemos a nos apegar tanto ao mundo que Deus
tem que fazer algo para nos mostrar claramente que as coisas que nos prendem a
este mundo são frágeis e podem se desfazer num segundo. E assim despertamos
subitamente para o fato de que somos apenas peregrinos neste mundo, e fomos
feitos para pensar no céu e na eternidade.
Mansidão] Quão difícil é ser manso em nossa atitude para com os outros e em nosso
relacionamento com eles — amar os outros, ter empatia para com eles. Há um
certo sentido, eu creio, em que é quase impossível sentirmos empatia, se não
conhecemos algo da mesma experiência. Sei muito bem, em meu trabalho como
pastor, que nunca teria sido capaz de verdadeira compreensão e simpatia para
com certas pessoas, se não tivesse passado pelo mesmo tipo de experiência. Deus
às vezes precisa tratar conosco com o propósito de nos lembrar a nossa
necessidade de paciência. Ele diz, na verdade: "Você sabe que Eu sou
paciente com você; seja paciente com essa outra pessoa!"
Estas, então, são algumas das coisas que nos mostram claramente a
necessidade de correção. Deus, porque nos ama, porque somos Seus filhos, nos
corrige para que eventualmente seja produzido em nós o maravilhoso e
incomparável "fruto pacífico de justiça".
Até aqui examinamos o assunto em princípio. No capítulo seguinte espero
demonstrar como esta passagem aplica todo esse ensino, e como devemos aplicá-lo
a nós mesmos. O grande princípio é que Deus nos corrige porque somos Seus
filhos. Se, portanto, vocês não estão conscientes desse tipo de tratamento em
suas vidas, eu os exorto a examinarem-se a si mesmos, certificando-se de que
realmente são cristãos, porque: "O Senhor corrige o que ama, e açoita a
qualquer que recebe por filho". Bendito seja Deus, que Se incumbiu da
nossa salvação e do nosso aperfeiçoamento, e que, havendo começado a obra, irá
completá-la, e que nos ama tanto que, se não aprendermos as lições voluntariamente,
nos corrigirá para nos trazer à conformidade com a imagem do Seu amado Filho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário